
A discussão sobre a inclusão de empréstimos consignados nas ações de repactuação de dívidas, no âmbito da Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021), continua a gerar controvérsias nos tribunais brasileiros. Enquanto algumas cortes mantêm interpretação rígida, afastando de forma categórica tais contratos do procedimento de repactuação, outras têm adotado uma leitura mais flexível, privilegiando a finalidade protetiva do consumidor.
O entendimento restritivo costuma se amparar no artigo 4º, parágrafo único, inciso I, alínea “h”, do Decreto nº 11.150/2022, que exclui da análise do superendividamento as parcelas decorrentes de operações de crédito consignado regidas por lei específica. No entanto, o próprio texto do dispositivo abre espaço para interpretação diversa: a exclusão somente se aplica aos consignados disciplinados por legislação específica e exaustiva, o que não ocorre em muitas categorias de trabalhadores.
Um caso recente julgado pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) ilustra bem essa divergência. A corte reconheceu a possibilidade de incluir empréstimos consignados na ação de repactuação de dívidas movida por um servidor público municipal superendividado. O colegiado entendeu que, como o município não possuía legislação própria detalhada sobre a modalidade de crédito consignado, não haveria impedimento para a aplicação da Lei do Superendividamento.
A tese fixada foi clara: “A exclusão de empréstimos consignados do procedimento de repactuação por superendividamento, prevista no Decreto n. 11.150/2022, não se aplica na ausência de legislação específica e exaustiva que regule tal modalidade de crédito.” (TJ-GO, Agravo de Instrumento nº 5537096-12.2025.8.09.0160, rel. des(a). Ana Cristina Ribeiro Peternella França, 7ª Câmara Cível, julgado em 9/10/2025).
Segundo o voto condutor, a regra de exclusão deve ser interpretada de forma restritiva, alcançando apenas os casos em que exista norma específica que discipline integralmente o crédito consignado de determinada categoria, e não apenas limites de margem consignável. No caso concreto, a legislação municipal tratava apenas de percentuais de desconto em folha, sem estabelecer um regime jurídico completo para o consignado.
A decisão foi considerada um avanço na efetividade da Lei do Superendividamento, ao permitir que consumidores em situação de endividamento grave possam incluir os empréstimos consignados em seus planos de pagamento, desde que atendidos os critérios legais.
Contudo, o julgado ressalta que nem todos os contratos consignados podem ser automaticamente repactuados. É necessário observar, entre outros fatores, o prazo máximo de cinco anos previsto para o plano de pagamento, o que inviabiliza a repactuação de contratos recentes com prazos longos.
Em síntese, a posição adotada pelo Tribunal de Justiça de Goiás reforça o caráter protetivo da legislação consumerista e reafirma que a Lei do Superendividamento deve ser aplicada de forma a resgatar a dignidade e a capacidade econômica do devedor de boa-fé, e não como mero instrumento formal sem alcance prático.
A decisão pode servir de referência para novas interpretações no país, especialmente em situações em que a ausência de regulamentação específica sobre o crédito consignado não justifique o afastamento da tutela legal conferida aos consumidores superendividados.